O produtor musical Moogie Canazio. Foto: divulgação
O tempo e o espaço do Produtor Musical
Moogie Canazio, João Marcello Boscoli, Dudu Borges e DJ Nato PK mostram o que foi e o que é o produtor musical do vinil ao streaming, do maestro ao beatmaker
Do tempo do LP e da busca pelo topo das “paradas de sucesso” nas rádios até as milhões de visualizações em plataformas de vídeo na internet, que águas rolaram na função do produtor musical? O que é este profissional, ainda essencial na construção de uma faixa gravada? Moogie Canazio, João Marcello Boscoli, Dudu Borges e DJ Nato PK mostram o que foi e o que é o produtor musical do vinil ao streaming, do maestro ao beatmaker.
João Marcello Bôscoli é produtor musical, radialista e empresário. Foto: divulgação
A evolução técnica em mais de seis décadas
Imagine que você é um produtor musical, está em um estúdio e quer gravar uma bateria. Você faz a solicitação ao gerente técnico do estúdio que, então, manda alguém vestido com um jaleco branco. O “homem do jaleco” e os auxiliares montam a bateria na sala de gravação usando os microfones determinados pela gerência técnica. O mesmo acontece para a gravação de outros instrumentos.
Aliás, nesta época – estamos falando aqui de meados dos anos 1960 - todos gravavam juntos usando parcos três ou quatro canais de gravação. A mixagem geralmente era em mono (a versão em estéreo ainda era algo “a mais”, como o 5.1 chegou a ser) e o produtor musical não tinha o protagonismo que tem hoje. Protagonismo que começou, principalmente, a partir do momento em que os Beatles centraram as atividades nas gravações, deixando de tocar ao vivo.
É possível acompanhar essa evolução em livros como, por exemplo, Here, There and Everywere - minha vida gravando os Beatles (ed. Novo Século), a autobiografia do engenheiro de som dos Beatles Geoff Emerick (1945 – 2018), ou All You Need to Know About the Music Business (em tradução livre, tudo o que você precisa saber sobre o negócio da música), de Donald S. Passman, este sem tradução para o português.
Lennon e McCartney com George Martin e Geoff Emerick (reprodução da internet)
O que faz o Produtor Musical?
O livro de Passman é usado pelo produtor João Marcello Boscoli como base para explicar o que é, afinal, o produtor musical. “Ele é responsável por dois tipos de processo. O primeiro é o criativo: escolher repertório, escolher o microfone, o arranjador e o caminho musical (do produto fonográfico). Ele é o cara que escolhe os músicos e o ‘psicólogo’ que cuida do clima dentro do estúdio. A segunda parte é a parte burocrática: alugar o estúdio, ficar dentro do orçamento, preencher os formulários, pegar as assinaturas de autorização (para uso das performances dos músicos na gravação), gerar o ISRC, etc.”.
Moogie Canazio, produtor e engenheiro de som, concorda em definir o produtor musical como o “diretor de cinema” no terreno da indústria fonográfica, “porque o diretor de cinema é o cara responsável por tudo no filme: pelo casting, pela iluminação, pela fotografia, interpretação, por tudo. Mas quando você fala em produtor de cinema, o produtor é o cara que põe o dinheiro. Em disco, o produtor é como se fosse o diretor geral do disco”, define. João Marcello especifica que a parte criativa seria correspondente ao diretor e a burocrática ao produtor executivo do cinema: “a descrição dessas duas atividades afirma, de maneira bem ampla, o escopo do produtor musical”.
Capa do livro (reprodução da internet) e foto Unsplash
Valorização profissional
Ainda nos anos 1950, as gravadoras já tinham o profissional de A&R (sigla em inglês para Artist & Repertoir). As músicas eram gravadas em estúdios próprio dos selos. Os álbuns era feitos em três dias – talvez um pouco mais ou um pouco menos - e este profissional de A&R era o responsável por observar o andamento dos trabalhos e sua adequação aos objetivos da empresa. No entanto, começou a não ser mais possível o A&R tomar conta de todas as gravações que aconteciam. Surge, então, a figura do produtor musical. Normalmente ele era um músico arranjador, funcionário das gravadoras. Este era, por exemplo, o vínculo de George Martin, produtor musical considerado o quinto Beatle, com a gravadora EMI.
Aliás, George Martin e os Beatles tem muito da responsabilidade pela evolução da função do produtor musical. Quando os Beatles deixaram de fazer apresentações ao vivo e decidiram apenas gravar, a importância financeira deles na EMI era tanta que eles ganharam o direito de dispensar os “homens de jaleco” e colocar em prática as loucuras musicais e técnicas que passavam por suas cabeças. Boa parte destas loucuras é contada na biografia de Geoff Emerick, o jovem auxiliar catapultado a engenheiro de som dos Beatles na época, pulando todos os estágios do plano de carreira que havia na EMI.
Para João Marcello Boscoli, este é o marco em que os estúdios passaram a ser, efetivamente, instrumentos musicais. “Eu toco esse instrumento, esse conjunto de processos que acontecem somados ao próprio lugar (o estúdio). Tudo se torna um instrumento criativo. Um instrumento musical no sentido literal e no figurativo”.
Do ponto de vista administrativo, a partir dos anos 1970, o produtor deixa de ser uma peça da empresa e ganha Independência. Se torna uma peça criativa que mistura as referências dele com as do artista. Este, por sua vez, ganha peso político e passa a, em vários casos, poder escolher o produtor.
Isso quando ele mesmo não se produzia, como aconteceu com Stevie Wonder em Music of My Mind (1972). “Em 1956, 90% da parada de sucessos no mundo era de música feita por compositores. Dez por cento era de gente que gravava o próprio material. Vinte anos depois anos depois, em 76, era o contrário: 90% do material era feita por quem estava interpretando. Earth, Wind and Fire, Led Zeppelin, Steely Dan... E 10% do repertório era de compositores que não estavam interpretando a obra. E, claro, Claro, sempre teve Quincy Jones, que também tinha os próprios álbuns”, destaca Boscoli.
O produtor musical Dudu Borges: inovação e sucesso com o Sertanejo (Reprodução/UBC)
Os Produtores
Se, ao surgir, a função do produtor musical era exercida sempre por músicos arranjadores, com o tempo ela foi ganhando profissionais mais ligados a outras áreas da indústria, como a engenharia de som. Também chegaram aqueles que não são músicos, mas são especialistas em criar um bom clima de gravação, e também permaneceram os profissionais mais ligados à área da música propriamente dita, como era na origem da atividade.
Moogie Canazio, por exemplo, começou nos anos 1970 como baterista. Logo se tornou discotecário – “na época ainda não existia a figura do DJ”, explica. As mixagens durante as festas e o treino para sentir a “temperatura” do público nos bailes ajudaram a aguçar os ouvidos e a intuição do engenheiro de som que se formou na cara e na coragem, indo atrás dos sonhos na então meca dos estúdios, Los Angeles, nos EUA, ainda no fim dos anos 1970, onde começou a aprender os segredos da produção.
Em meados dos anos 1980, Moogie voltou ao Brasil onde trabalhou, como engenheiro de som ou produtor, na Som Livre ou de forma independente. São muitos anos de trabalhos, com o nome nos créditos de inúmeros clássicos do Brasil e da música universal, e muitos prêmios. No currículo, constam sucessos recentes, antigos e eternos com AnaVitória (em co-produção com Tiago Iorc), Rita Lee e Roberto Carvalho, Robson Jorge e Linconl Olivetti, Maria Bethania, Caetano veloso, Tom Jobim, Sergio Mendes, Nathan East e João Gilberto. Com este último, ganhou o Grammy de melhor álbum de world music no álbum Silêncio. Hoje o produtor mora e trabalha em seu estúdio próprio em Los Angeles, mas também viaja por todo o mundo, gravando e produzindo em qualquer lugar que o chamem.
Crescer no ambiente da “música de alto rendimento” também pode ser um bom ponto de partida para o produtor musical. Este é o caso de João Marcello Boscoli. No início da carreira, João lançou algo raro no mercado brasileiro: um disco de produtor, o João Marcello Boscoli e Cia. Com mais de 300 álbuns produzidos em trinta anos de carreira destacam-se também o primeiro álbum do Irmão Pedro Camargo Mariano e Tudo Isso é São João, da banda de Pífanos de Caruaru, entre muitos outros.
Filho de Elis Regina e do jornalista e produtor musical Ronaldo Boscoli, além de ser enteado de Cesar Camargo Mariano, João Marcello não ficou apenas na produção musical. Em 1998 lançou a gravadora Trama, que foi pioneira em colocar as redes sociais e o streaming no centro das estratégias com a Trama Virtual. Hoje trabalha com produção musical no estúdio Na Cena Trama, além de ter colunas jornalísticas musicais na Rádio CBN e em outros veículos. Um dos trabalhos mais recentes como produtor é o lançamento do álbum 1972, de Elis Regina, em Dolby Atmos.
Dudu Borges já é um “filho” da moderna configuração da indústria fonográfica. Cresceu no estúdio do primo, onde começou a “fuçar” aos 13 anos, e tocando na igreja. Desde o início, mais que ser um músico acompanhante ou um artista, queria ficar no estúdio, cuidando de todo o processo de gravação de uma faixa. Por começar a trabalhar cedo no estúdio, entre campanhas publicitárias, pop, rock e música gospel, acabou podendo aprender e pesquisar os processos de produção sem a pressão que normalmente ocorre em quem já é profissional mais tarde.
No decorrer dos anos 2000, enquanto tocava com a banda gospel Resgate, viu a convivência entre o analógico e o digital e a posterior substituição de um pelo outro. Teve também papel fundamental na construção da sonoridade do “sertanejo universitário” ao colocar suas influências do pop/rock brasileiro de bandas como Skank, Cidade Negra nos arranjos e sons de artistas como João Bosco & Vinícius, Jorge e Mateus, Bruno e Marrone, Luan Santana e Michel Teló. Também tem trabalhos com Ivete Sangalo, Jorge Benjor e AnaVitoria, sendo um dos produtores com mais influência na música brasileira atualmente. Com 16 indicações e dois Grammys latinos ganhos, desde 2018 o produtor investe no projeto Análaga, que surgiu da necessidade de explorar novas experiências com mais liberdade pessoal. A mágica toda acontece em seu Estúdio Vip, fundado em 2009.
O rap e o hip-hop criaram o DJ Nato PK, mas ele gosta de tudo o que é música e viaja por todas elas. Começou como DJ cedo, ainda nos anos 1990, mas começou a se estabelecer como produtor em 2001, quando conheceu, pela primeira vez, um estúdio de gravação que pertencia ao DJ Paul (componente do RPW, banda de rap que terminou em 2016) ao gravar a demo de seu prório grupo: o Polemikaos. Paul foi quem explicou a Nato todo o processo de samplear e montar as batidas.
Ao mesmo tempo, PK descobriu o jogo da MTV no PlayStation a partir do qual era possível seqüenciar baterias, loops e synths. Foi o game que deu a base para o DJ pegar mais rápido as explicações de Paul. O jogo também foi a base da composição de um dos sucessos do Polemikaos: Sem Fama e Sem Glória. Durante todos esses anos, como sócio de Enéas Enézimo, falecido de Covid-19 em 2020, PK tocou o selo e produtora Pau de Dar em Doido lançando músicas próprias e de outros artistas da cena hip hop e produzindo eventos. Além disso, o DJ e beatmaker ainda atuou no power trio da cantora Ana Cañas com a guitarrista Monica Agena. Hoje, Nato também procura produzir mais faixas instrumentais, interagindo com músicos como o guitarrista Bruno Dupre.
Cada produtor vem de um lugar e acha seu caminho no cenário movediço que há hoje na indústria da música, mas algumas questões estão sempre presentes.
Streaming, o álbum e o single
Em 2020, de acordo com relatórios da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI na sigla em inglês), as receitas da música gravada tiveram um aumento de 7,4% em relação ao ano anterior, com um total de US$ 21,6 bilhões gerados. Especificamente no Brasil, a música gravada teve um salto de 24,5% nas receitas por conta do streaming – com mais de US$300 milhões gerados na indústria fonográfica – colocando o país em 11º lugar entre os mercados para música. O formato de streaming é o combustível da alta de receitas. Com alta de mais de 28 % no Brasil e 18% no mundo, o segmento gerou 62,1% das receitas de toda a música gravada no mundo, gerando um montante de mais de US$13 bilhões em receitas. Já as plataformas físicas – que incluem CDs, DVDs, LPs e fitas cassete - seguem o caminho da baixa, com redução de 34,3% de participação nas receitas.
É verdade que o streaming favorece o formato single. Uma cachoeira deles é despejada nas plataformas. No entanto, o formato de álbum ainda persiste. E há exemplos disso mesmo no primeiro escalão da indústria. A dupla Bruno Mars e Anderson .Paak, sob o nome de Silk Sonic, lançou, em novembro, o álbum An Evening with Silk Sonic. Ainda que já formado em um período em que os singles tem papel fundamental na indústria, Dudu Borges faz uma defesa ferrenha do álbum. E os motivos são bem claros. “Nos meus projetos, na maioria, eu sou sócio deles. Estou pensando na longevidade, em algo inteiro, então não dá para uma pessoa me contratar para fazer um single. Sei qual vai ser a primeira, a segunda e a terceira música de trabalho, não adianta ter só uma. Eu preciso que o artista faça sucesso, e não uma música. O artista fica muitos anos consecutivos em primeiro lugar não só por causa de uma música”, determina.
No entanto o álbum está muito associado ao período dos LPs, CDs e plataformas físicas de música em geral, quando várias músicas eram agrupadas no mesmo produto. Talvez a resposta para isto esteja também em um grande lançamento recente: o álbum 30, da cantora Adele. A cantora pediu ao Spotfy a retirada do botão de ordem aleatória para álbuns ao lançar o trabalho. Isto para manter a ordem original e a proposta estética da obra, o que mostra a permanência do conceito de álbum mesmo em tempos de escutas aleatórias. E Dudu completa: “para mim, o álbum é conseguir passar uma mensagem mais consistente. Não interessa se com seis, sete, dez ou 15 músicas .Tem que ter um conceito que você fez ali como um filme, não um comercial de TV. Quando você consegue passar isso você tem um álbum”.
Nato PK trabalha muito no formato single, mas também é um entusiasta do álbum. Ele atribui o protagonismo atual do single a uma demanda que a internet cria. “Eu entendo que o mercado hoje tem essa necessidade de movimentação do artista, de estar sempre todo mundo lançando um single. O artista, para ser relevante, tem que sempre estar fazendo alguma coisa, mas eu me preocupo um pouco com isso. Tem de ser levado em consideração também os processos de criação, a qualidade do produto final. Eu não caí na correria. Não sinto necessidade de lançar coisas a todo momento. Acho que vale a pena pensar num disco cheio e promover lançando dois ou três singles referentes ao álbum. Eu escuto e sou um cara do álbum, mas as pessoas nesse rolê trabalham muito o single”, aponta. João Marcello reforça que o fato de ser uma época em que o single tem muita importância não deixa o álbum em segundo plano. “Se fosse uma grife, poderia se dizer que o álbum é a coleção. Você não vai montar um desfile para apresentar uma calça. O álbum é uma coleção na qual você tem vários modelos de calça de camisa ou de casaco”.
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Estúdio, equipamentos e processo de trabalho
Cada produtor tem a sua forma de trabalhar, mas todos eles buscam consistência e uma referência sólida. Como um produtor que também é engenheiro de som, Moogie tem um set de equipamentos – microfones, cabos, pré-amplificadores e monitores – que leva para qualquer lugar no qual grava, mesmo nos estúdios mais famosos. “No Abbey Road, Capitol Records... Não importa onde vou levo minhas caixas, meus cabos e alguns microfones. Já trabalhei em uns 200 estúdios diferentes em todos os cantos do mundo: Itália, frança, Miami... A única maneira que eu tenho de ter um ponto de partida sólido é o meu pré-amplificador, com as minhas caixas, meus cabos e microfones. Eu sei como aquilo tem que soar. Se eu não reconhecer o que está soando, já começo a procurar onde tem um problema”.
Se para gravar, Moogie leva seu equipamento para o mundo todo, na hora de mixar o produtor sempre trabalha em seu próprio home Studio. “A tecnologia disponível hoje em dia viabiliza poder fazer um estúdio em casa. Antigamente para montar um estúdio você tinha que comprar uma mesa que podia custar um milhão de dólares, duas máquinas que custavam mais meio milhão de dólares... Ou seja, para começar, tinha que ter dois milhões de dólares investidos. Com a tecnologia do mundo digital, das workstations, caiu muito o investimento. Todo mundo pode montar seu próprio estúdio. A única coisa é saber onde botar o chapéu com o investimento que pode fazer. Eu, por exemplo, no meu estúdio, só mixo, e não troco por nenhum outro. Pode ser para cinema, em Dolby Atmos, faço tudo aqui. Mas para gravar, a não ser voz guia, eu não faço nenhuma gravação aqui. Qualquer outro estúdio vai funcionar melhor que o meu para isto”, enfatiza.
João Marcello Bôscoli sempre teve um estúdio para chamar de seu. Desde o início da carreira, passando pelo auge da gravadora Trama até hoje, nunca levou o trabalho para casa. “Eu vou citar o Quincy Jones: ele nunca teve estúdio em casa e também não vai na mixagem. Mas eu não sou referência porque eu tenho estúdio há 26 anos. Desde 95. Então o meu local de trabalho, o meu habitat natural, é o estúdio. Eu acordo de manhã e vou para o estúdio. Lá, eu tenho diferentes lugares: uma sala de pré-produção que tem um Macintosh e os sintetizadores onde fico trabalhando de maneira mais intimista. E aqui eu estou falando de produção. Quando falo de composição, você pode pegar um grupo de compositores, ir para uma casa e ficar lá. Ou receber em casa e ir ouvindo as coisas. Mas produção eu faço mesmo 100% no estúdio. Eu levo para o estúdio principal quando a coisa está pronta. Hoje, pela evolução tecnológica, eu até poderia gravar na minha sala de pré-produção. Tem a mesa, teclados, compressores e microfones, mas é um estúdio de pré-produção. E eu gosto de contar com um engenheiro de som para fazer essa parte, e para fazer beats, chamar um beatmaker, para fazer arranjos de cordas, chamar um arranjador de cordas e para masterizar, um masterizador. Eu gosto de trabalhar com especialistas”, determina.
Nato PK também prefere ter especialistas trabalhando. Especialmente na masterização, ainda que produza e mixe. “Eu tenho um home studio, mas não é preparado. Eu montei essa sala na minha casa durante a pandemia. O selo tinha um estúdio, que era também no estilo home studio, para fazer essa parte de criação, produção e uma parte de captação de voz. Mas se eu fizer tudo, acaba passando alguns vícios. Quando fazíamos as coisas do selo, eu e o Enézimo sempre passávamos para um engenheiro. Hoje trabalho com o Master Sun, que também é produtor, beatmaker e músico, no Mobile Audio Pro. Tenho já essa parceria de trabalho com ele. Eu sempre prefiro outra pessoa para fazer esse processo porque, se não, eu perco o foco na produção”.
Assim como Moogie, Dudu Borges também prefere meter a mão na massa na parte técnica. Mas ele vai ainda mais longe, fazendo também arranjos e tocando instrumentos. “Tenho estúdio, tenho os técnicos, mas eu opero todos os processos. Se precisar faço tudo. Mostro arranjos no teclado e faço tudo presencialmente porque eu quero ter esse controle de100% do que estou fazendo. Não consigo fazer de outra forma”.
Produção musical, audiovisual e redes sociais
O produtor musical, o audiovisual e as redes sociais
Outra mudança que aconteceu nos últimos anos foi o protagonismo na imagem. Desde o surgimento da MTV que a imagem exerce um papel importante na promoção das músicas e álbuns por meio do videoclipe. Mas os DVDs com shows nos anos 2000 e 2010 deram sobrevida ao suporte físico e foram a base da difusão do sertanejo universitário, gênero que primeiro projetou o trabalho de Dudu Borges.
Na filosofia de trabalho em 360º de Borges, a parte da imagem não fica fora do raio de ação do produtor. “Eu acho o vídeo essencial. Hoje, pensar em fazer um projeto sem o vídeo é desperdiçar tempo. Mesmo que você grave no estúdio, tem que ter algum tipo de clipe para passar o conceito. A música, sozinha, não está mais empurrando da forma que era antes porque se lança muita coisa todo dia. O vídeo é mais um pontinho ali que vai chamar atenção para, de alguma forma, ter uma identidade própria”, reforça. A partir de seu projeto Análaga, Dudu produz, constantemente, conteúdo audiovisual para seu canal no Youtube, Instagram e Facebook. Seja clipes, making offs ou teasers. “Tenho também uma equipe para isto”, aponta.
A gravadora Trama, fundada por João Marcello Bôscoli, surgiu no momento de maior indefinição da indústria fonográfica, exatamente no auge dos downloads gratuitos de música que aconteciam à margem da indústria fonográfica, no início dos anos 2000. Mas, por incrível que pareça, a iniciativa pioneira da Trama Virtual não teve uma relação com este contexto. “Tínhamos por volta de 6 mil CDs para escutar, mas era impossível dar conta disto. Mesmo o Miranda (Carlos Eduardo Miranda. Produtor musical falecido em 2018), que escutava muito, não ia dar conta. Então o André (Andre Szajman, sócio de João Marcello na Trama) deu a sugestão de criar um espaço no qual pudesse colocar isso disponível. E assim surgiu a Trama Virtual”, conta o produtor. A coisa era tão nova que João Marcello tinha dificuldades de explicar a possíveis parceiros e ao showbusiness em geral o que era. Só quando surgiu o MySpace – rede social na qual era possível colocar vídeos e sons à qual os músicos aderiram em massa - foi possível explicar melhor o que acontecia. Era como uma rede social de música sem que houvesse ainda este conceito claro.
A Trama Virtual funcionava da seguinte forma: o músico/banda se cadastrava e ficava apto a subir suas músicas e disponibilizá-las ao público. Não havia nenhum tipo de vínculo entre os artistas e a gravadora, mas quando a Trama Virtual fazia algum tipo de acordo de patrocínio, havia uma remuneração para distribuir entre os músicos que tivesse suas músicas baixadas. Nesta época ainda não havia banda de internet suficiente para streaming e o download de músicas, legal, como o que acontecia pelo ITunes, ou ilegal, era a forma de distribuir a música pela rede. O serviço durou de 2001 a 2011. Foi extinto porque, a partir da popularização do Facebook, as bandas foram parando de usar a rede da Trama. “Havia inclusive um custo para manter isso. Em números de hoje, pagávamos R$200 mil reais ao servidor por mês. Aí perdeu o sentido”, conclui João Marcello.
Quanto a uma influência efetiva das redes sociais na música, o produtor acrescenta que, hoje em dia, já se pode perceber uma influência de redes como o TikTok na composição das canções. “Muitas já não têm introdução. Tudo gira em torno do refrão. São as condições influenciando na música. Isso já aconteceu”, afirma, lembrando que, antes dos LPs serem a forma principal de venda de música, as músicas tinham de caber nos três minutos de cada lado do disco de 78 rotações.
Nato PK tem canais e perfis nas redes sociais, mas começou a usá-los de forma mais sistemática a partir da pandemia. Além da divulgação das atividades do selo, ele gosta de mostrar os processos de criação dos beats e samplers. Ele mesmo edita e posta os conteúdos, que já abriram as portas para fazer workshops, aulas e palestras sobre a sua atividade. “É uma forma bacana de movimentar, de se divulgar e divulgar o trabalho. Com a pandemia, rolou um pouco mais também dessa parte didática. Dei aulas online, além de um workshop de duas horas para o SESC Pompéia sobre a criação de beats e manipulação de sampler. Nessa brincadeira, além de ser DJ e produzir entrei também nessa parte didática e ensinar a como produzir e fazer um beat”, comemora.
Moogie Canazio não atua diretamente com seu trabalho em redes sociais, mas tem um website e perfis nas redes sociais nos quais é possível se informar sobre sua obra e trabalhos recentes.
O produtor hoje
As mudanças na indústria da música acontecem o tempo todo. A atuação do produtor muda, também, por conta das metamorfoses na indústria fonográfica. Antes ele tinha de se reportar e fazer toda a mediação do artista com a estrutura de uma gravadora, com presidente, A&R, departamento de marketing... “O que aconteceu é que, para os olhos de uns aconteceu uma evolução e para o de outros uma involução. A gravadora tinha um staff que fazia um reconhecimento de talento. Se ela acreditasse na arte daquele compositor e intérprete eles o contratavam. Quando contratavam, vinham todos os ônus de contratar. Tinha que pagar estúdio, pagar os músicos... Ou seja, de cara a gravadora já tinha um envolvimento direto desde o início. Como em todo o negócio, a empresa tinha de tomar um certo cuidado para não investir em uma coisa que não iria ter retorno. Então o dirigente do barco escuta e fala, ’mas eu não estou vendo no repertório desse disco canções que possam dar a propagação que eu preciso ter baseado nesse investimento’.
Em alguns casos, e eu até já fui testemunha disso, eles chegavam para o artista e falavam: ‘olha, se é isso o que você quer fazer, maravilha. Mas vou ter que restringir o orçamento porque não achamos que isso aí vai dar o retorno que precisamos para justificar o investimento’. E em muitas das vezes, com alguns A&R brilhantes que existiam, eles falavam assim: ‘olha essa canção aqui. O que você acha, vamos gravar?’ E gravava. Ou seja, você não só tinha um par de ouvidos extra para julgar o conteúdo, mas também tinha o comprometimento da gravadora, porque agora eles haviam colocado aquela canção”, expõe Moogie, completando: “a figura do produtor era intermediária entre os desejos da gravadora e as vontades do artista. Se você pender só para o lado da gravadora você perde o artista e a sua dignidade também como produtor. E você não pode deixar o artista 100% descoberto da sua opinião como produtor. Muitas das vezes a gravadora tem substância no que está falando. Não é sempre, porque a gravadora trata com 80 produtos e você está tratando com um”.
Já formado no período em que as gravadoras não influenciam no conteúdo artístico, o produtor musical Dudu Borges considera o contexto positivo não só para uma liberdade artística como também pelo acesso mais fácil aos recursos que permitem fazer música gravada com qualidade profissional. “Criou-se muito mais possibilidades, porque antigamente você tinha que ter uma estrutura. Tinha que ter a possibilidade de alguém no mercado fazer isso acontecer, e agora você pode fazer isso acontecer e mostrar o resultado. Isso eu acho mais legal nos dias de hoje, você fazer sua chance. Antes você tinha que ganhar na loteria para ter uma chance”.
Mesmo com todas as mudanças, o produtor musical ainda permanece como peça fundamental. João Marcello Bôscoli afirma essa importância pelo trabalho que faz e pelo que observa em seu estúdio. “Lá é um lugar de pesquisa importante, porque eu vejo as pessoas na prática e no dia a dia. Ninguém entra no estúdio sem produtor. A Luísa Sonza vai colocar a voz numa música, vem um produtor junto. A figura do produtor pode ter avançado em partes do processo e pode ter outras origens. Um programador de beats pode ser o produtor, mas a necessidade do papel do produtor. Isso eu não vejo terminar mesmo nos trabalhos com poucos recursos”.
E algumas coisas permanecem sempre, como diz o DJ Nato PK. “Acredito que ser produtor é fazer parte de um processo muito intenso de criação. É um momento que está explodindo a criatividade, as sonoridades... É uma função muito importante, na qual você pode definir o que vai ser ou não o resultado final do trabalho. É um trabalho de uma responsa enorme”, define.
Para saber mais
https://www.instagram.com/moogiecanazio/
https://www.instagram.com/analaga.oficial/
https://www.instagram.com/djnato_pk/
https://www.instagram.com/jmboscoli/
Sugestões de leitura
Here, There and Everywere - minha vida gravando os Beatles ( Geoff Emerick/Howard Massey -ed. Novo Século)
All You Need to Know About the Music Business (Donald S. Passman)
Behind the Glass (Howard Massey – Backbeat Books)
Música e mediação tecnológica (Fernando Iazzeta – ed. Perspectiva)
The Audible Past – Cultural Origins of Sound Reproduction (Jonathan Sterne – Duke University Press)
Miguel Sá
Miguel Sá é jornalista especializado no universo da produção musical. Nos anos 1990, trabalhou como engenheiro de masterização na Cia de Áudio, em São Paulo, onde fez trabalhos como os CDs Aldeia, da Banda Mantiqueira, Tributo a Pixinguinha, do trombonista Bocato, e a digitalização dos arquivos de gravadoras como Warner, Eldorado e RCA.
Após se formar em jornalismo, trabalhou como repórter na Revista Backstage – especializada em produção musical - no jornal do SindMusi e como roteirista de musicais na TV Brasil. Também escreveu a biografia do baterista Robertinho Silva intitulada Robertinho Silva em: se a minha bateria falasse...
Atualmente é coordenador de conteúdo do site da Revista Backstage (www.revistabackstage.com.br) e está concluindo a biografia do músico Marcos Ariel.
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